As boas coisas: Reencontrando amigos do Samiar

domingo, 24 de setembro de 2023

Reencontrando amigos do Samiar

Foi só uma nota no Messenger do Facebook, daquelas que normalmente você ignora, afinal, quem usa Facebook hoje em dia? As redes sociais vão mudando muito rápido, certamente será impossível me encontrar no que sobrou o Orkut, mas garimpando pelo Facebook provavelmente você vai me achar. A verdade é que eu até posto alguma coisa as vezes, na maioria um repost de alguma foto do Instagram que poderia alcançar aquela tia que resiste ao dinamismo do mundo digital...

Mas o nome do sujeito na caixa de mensagens pareceu fazer um clique nas prateleiras empoeiradas de minha memória e imediatamente voltei quarenta anos no tempo para me recordar de seu apelido . Era o Pinga, mais um desses apelidos de escola que nascem da primeira carta do monte, ou da primeira manifestação que nos tire da lista de pessoas esquecíveis de nossa vida.

E era esse cara que eu me lembro ser meio quietão, ele com sua carinha de gente mais velha que a maioria dos outros meninos. Era ele quem aparecia na minha caixa de entrada com um convite para um encontro "da turma" do colegial do Samiar (o nome da escola era São Miguel Arcanjo, o mesmo lugar onde meu pai havia estudado de menino; Samiar era também o apelido). Hoje em dia, nem usamos mais essa palavra, os adolescentes vão para o Ensino Médio e os mais abastados vão para o High School.

Num primeiro momento, pensei "E pra que é que vou querer ver uns velhos que não vejo a 40 anos e que provavelmente não têm coisa alguma a ver comigo?", mas mesmo assim, alguma força estranha me fez responder SIM.

Essa tal "força estranha" veio de uma parte de mim que naquela época simplesmente não existia, ou se existia, ficava em marcha lenta, em alguma garagem de meu psiquismo. Eu não sabia muito bem quem eu era e para o que estava aqui. Até mesmo esse tipo de questionamento sequer fazia parte de meu repertório. Mas as rodas giram e o desgaste da banda de rodagem das minhas, revelou uma parte de mim que era o que faltava para eu conseguir me tornar uma pessoa completa, mas isso só iria acontecer muito tempo depois. Claro que se tornar "completo" é uma quimera inatingível (o tal "objeto a" segundo Lacan), mas o menos o tempo, meu jogo de cintura e o carinho de algumas pessoas maravilhosas que passaram pela minha vida foram decisivos para eu conseguir me sentir mais ou menos "normalzinho".

Marco Silas, Antônio Carlos Neves Pinto e eu

Na hora e local marcado encontrei aquelas caras, com suas rugas, barbas e óculos, com suas gordurinhas a mais e a menos, algumas mais difíceis de reconhecer de primeira vista, outras surpreendentemente familiares apesar das mudanças que 40 anos trouxeram a elas, cumprimentos, abraços, camisas, luzes e o velho clichê "você sabe quem eu sou?", que tentava mascarar um "você gosta de mim?".

E então, eu estava encontrando afetos que depois desse tempo todo, continuavam vivos e em pleno exercício. Agora mais lúcidos, mais adultos, mais maduros... Escuto suas histórias, conto as minhas, emociono-me, vejo gente se emocionar, fragilizo-me e de repente, entre as máquinas de pinball, também tem gente se fragilizando.

Cada um com suas famílias, seus filhos, suas profissões, suas trajetórias, cada um com suas idiossincrasias, muitas delas absolutamente iguais ao que eram naquele tempo em que éramos só uns moleques de 16 anos.

Todos buscamos o mesmo, queremos ser amados, reconhecidos, afagados. Queremos eternizar nossas pequenas histórias de adolescente, nos certificar de que tudo o que vivemos juntos, todo aquele tempo e toda aquela energia investida, realmente valeu a pena, realmente serviu de alguma coisa.

E muito, mas muito diferente daquilo que eu tinha imaginado naqueles primeiros instantes em que recebi a mensagem do Pinga, percebi que cada um dos momentos perto desses caras incríveis que me ajudaram a construir essa parte tão linda de minha história, realmente valeram a pena.