domingo, 19 de julho de 2009

A saga dos aparelhos auditivos

Você pensa que é fácil ser meio surdo? As pessoas sabem muito pouco a respeito desse assunto, que muitas vezes é tratado com certo preconceito. As palavras do escritor David Lodge no impagável e obrigatório romance "Surdo Mundo" são: A cegueira é tragédia, a surdez... comédia. As pessoas se sensibilizam com quem não enxerga, ajudam a atravessar a rua, se emocionam. Já os surdos, geram desprezo e revolta, ninguém aguenta ter que gritar em sua orelha. Veja só, até os animais dos cegos são mais dignos... todo mundo gosta de acariciar um heroico cão-guia. Existem animais para surdos? O personagem do livro imagina um papagaio sentado sobre o ombro do surdo, repetindo aos gritos o que lhe disseram bem dentro da orelha.

A vida me ensinou que quando você é capaz de se auto-ridicularizar, a piada desaparece, uma excelente filosofia de vida.

Ora... você conhece alguém que usa óculos? Que mal há nisso não é mesmo? Aparelho auditivo está para o ouvido como o parzinho de óculos está para os olhos.

Sou inclusive do partido de que a maravilha tecnológica que é um aparelho desses não pode passar despercebida, ao contrário, fica até chique.

Foi-se o tempo em que o aparelho era só um amplificador - ruim . Hoje, além de contarem com resposta de frequência - a faixa de cobertura de frequências de sons que vai dos graves até
os agudos - muito mais ampla, tornando os sons escutados no aparelho tão límpidos quanto aqueles que escutamos sem eles, os brinquedos são capazes de distinguir o que é voz daquilo que é ruido e filtrar apenas os sons que realmente "interessam" ser escutados. Podem neutralizar sons altos e ao mesmo tempo serem capazes de amplificar sons mais baixos. Alguns possuem conectividade bluetooth, permitindo atender o celular ou escutar música direto no aparelho, outros possuem transmissor externo wireless permitindo por exemplo que posicionemos o microfone em outra sala, e escutarmos tudo o que se passa por lá.

Eu uso um brinquedo destes já faz quase uns dez anos, é um dos primeiros modelos digitais que já está pra lá de Kabul, precisando ser trocado por algo mais moderno, mais confortável e eficiente. Então comecei a testar substitutos para o velhinho, afinal a brincadeira começa em 4000 reais cada um e pode chegar aos R$11000,00.


Tenho uma queda leve que vai dos médio-graves 250 ~ 500hz piorando para moderada que vai de 1khz até os sons mais agudos. Não é uma super-perda, mas o suficiente para fazer com que escutar conversa possa virar uma complicação, especialmente se a outra pessoa gosta de falar baixo ou se tiver ruido de fundo.
A solução é uma pequena maravilha tecnológica capaz de amplificar as frequências que precisam de um boost extra para eu começar a ficar parecido com Beethoven.
Os seres humanos conseguem escutar frequências muito graves desde 20hz - hz é a abreviação de hertz, que significa "pulsos por segundo" até 20.000hz, que são sons extremamente agudos. A fala está mais ou menos na faixa que vai de 250hz a 3khz. Então uma perda de 50% em 2khz significa uma dificuldade enorme pra entender o que as pessoas - especialmente aquelas que falam baixo - dizem.
Os aparelhos mais antigos são analógicos, capazes de uma amplificação linear que termina antes de 4khz. O resultado é um som sem definição, como ao de um rádio de pilha e o pior, sem distinção de intensidades sonoras, ou seja, ruidos como pratos e gritos tornam-se insuportáveis.
Aparelhos mais modernos são no mínimo digitais, com compressão de áudio - que é o caso de meu velho Digilife da Telex-Oticon. Até aparelhos inteligentes com recursos pra dar e vender.

As empresas que comercializam os aparelhos, a maioria deles vinda da Europa, sempre oferecem a possibilidade de fazer um test-drive, afinal é um investimento considerável, para descobrirmos qual aparelho se adapta melhor as suas características, tanto de perda auditiva, quando de ambiente de uso. Quem, por exemplo, tem uma vida muito ativa, indo constantemente de ambientes silenciosos para ruidosos, precisará de aparelhos mais sofisticados. Por outro lado, um velhinho morando numa casa silenciosa não precisará de tanta tecnologia - a não ser nas festas de fim de ano quando os netos chegam fazendo aquele barulhão.

A primeira descoberta que fiz é que dois aparelhos não é duas vezes melhor que um, é DEZ vezes melhor... isso já significa que deverão ser dois aparelhos em vez de apenas um, só pra começar.

Voltei no otorrino, fiz novos testes e como minha mãe - meu problema é igual ao dela, congênito e bilateral, perda de sensibilidade do nervo auditivo - já conhece e está satisfeita com a marca, comecei testando um modelo da Microsom chamado Element 8.
O Element é um aparelho externo que usa uma nova tecnologia que se

chama "Moxi adaptação aberta", isto significa que diferente dos modelos que requerem molde do canal auditivo, este tem uma espécie de "chupetinha" que encaixa dentro da orelha. Metade do aparelho (microfone, amplificador, processador) fica atrás da orelha e o resto (transmissor, auto-falante) fica dentro do ouvido em uma micro-cápsula. Isso me pareceu bem legal já que diminui bastante o tamanho do brinquedo.
Além dos itens obrigatórios, como compressor - responsável por reduzir os picos de áudio e levantar os sons muito baixos - sintonia completamente digital feita pelo computador com base na sua audiometria - uma espécie de equalizador gráfico de várias bandas, este aparelho possui alguns recursos bem legais, como a capacidade de identificar um ruido contínuo - por exemplo, um liquidificador ligado - e reduzir este som a um mínimo; quase neutralização de ruidos de vento, uma eficiente correção de microfonia, dois microfones com seleção automática -um direcional e um omni-direcional.
Vou testar esse aparelho novamente, mas achei que a correção de ruidos ainda poderia ser mais eficiente, já que ele corrige apenas um ruido por vez contra 16 do modelo Indigo.
Uma importante vantagem é a faixa de resposta de áudio que me parece bem superior aos usuais 4khz, ou seja, este aparelho não tem aquele som infernal de rádio de pilha. No fim, você simplesmente se esquece que está usando um aparelho, o som é incrivelmente cristalino. O aparelho só faz você lembrar que ele existe quando funciona o sistema de redução de ruidos, quando você percebe os ruidos baixando de volume suavemente.
Ele também tem dois microfones, um omni-direcional para pegar os sons de todo ambiente e um direcional que fica virado pra frente. Como o aparelho procura dar ênfase a voz humana através de amostragem de áudio ele ativa ou desativa os microfones conforme a necessidade, tudo automaticamente.
Ele tem uma bobina telefônica automática, quando você aproxima um telefone (que tem ímã, e daí impossível com o celular) ele muda de programa e pega o som como se estivesse ligado no telefone por um fio. O som era muito baixo e era mais fácil tirar o aparelho do ouvido para escutar o telefone, mas isso eu acho que dá pra regular. Para resolver o problema do celular, parece que é só grudar um pequeno ímã no celular.
Achei muito legal a tabela de manutenção progressiva a partir do término da garantia. No lugar de surpresas de orçamento, você sempre sabe quanto irá gastar depois que terminarem os dois anos de garantia. Esse brinquedo custa cerca de R$6000,00

Testei também o equipamento da Telex Claris M100, que é a mais antiga empresa do ramo no Brasil, a mesma marca de meu aparelho mais velho. Gostei do fato de agora eles contarem com assistência técnica em São Paulo, antes era só no Rio e isso era um saco, pois tinha que esperar um tempão pela volta do aparelho. Testei um equipamento similar ao Element, mas bem mais caro. Não gostei do fato dele ficar dançando um pouco na orelha. A correção de ruidos também me pareceu inferior ao Element, mas talvez seja uma questão de ajuste. A questão é que a filosofia da empresa prevê um aparelho menos "cibernético" que o Element, ou seja, o mais natural possível... porém achei tão natural que os ruidos acabam incomodando um pouco. Apesar da incrível qualidade de áudio.
Ele tem um botão que permite seleção de programas e bobina telefônica. Não deu certo, o botão não funcionou direito e a bobina telefônica menos ainda.

Depois disso começou o período de sofrimento parti para um aparelho intra-auricular intermediário da GN-Resound Danavox, o Plus5. Acho engraçado a insistência de algumas fonoaudiólogas em querer que você teste um aparelho intermediário mesmo você pedindo algo mais sofisticado, de qualquer modo elas sempre são extremamente gentis e simpáticas. Do aparelho já não posso dizer o mesmo, ele é quase infernal e ignora completamente a natureza do som, tratando a barulhada e as conversas quase do mesmo jeito. Além disso já deu pra ver que aparelho intra-auricular é realmente sacal, dando a sensação de ouvido entupido, lembrando que cada pessoa é um universo de variáveis diferente, ou seja, o que não é bom pra mim, pode ser ótimo pra você. A resposta de frequência é inferior, batendo nos 4000hz e olha lá... isso significa som de rádio de pilha o tempo todo na sua orelha. A vantagem é o preço, apenas 4000 reais, mas ainda é muito dinheiro para muito sofrimento. Outra vantagem é poder desliga-lo sem tirar a pilha, apertando um botãozinho. Aliás esse botãozinho também serve para mudar o programa I e II para diferentes ambientes e sinceramente não consegui ver diferença entre eles. Para telefone fica péssimo, realmente não dá pra usar.

Estou coroando a angústia com o aparelho da Widex, este sim, totalmente infernal, faz você ficar desesperado a cada minuto e querer arrancar ele da orelha. A sensação é de um rádio de pilha quebrado enfiado na orelha. Os ruidos soam altíssimo e chega a distorções horrendas. Telefones, ficam menos ruins que o Danavox, mas um horror também. Novamente foi uma insistência da fonoaudióloga em sugerir um aparelho inteiramente básico, que no fim não se adapta ao meu mundo barulhento.
Esse eu realmente detestei. O mais engraçado é que o site deles é o mais bacana de todos, mas eles simplesmente não tem os aparelhos que estão no site, eles estão aguardando a liberação do ministério da saúde. Imagine só, não era o mais certo tirar do site os aparelhos que não estão a venda?

O Element me pareceu o melhor até agora com recursos automáticos bem legais, ótima qualidade de áudio e boa ergonomia, fiquei com vontade de experimentar o modelo Indigo, que parece ser ainda mais sofisticado, podendo filtrar até 16 ruidos diferentes simultaneamente, ou seja, em tese você pode bater papo numa calçada da paulista com carros passando, britadeiras, vendendores ambulantes berrando, cachorros latindo e mais doze outros ruidos se movendo sem ficar louco. Só que aí o preço é outro...

Acompanhe a segunda parte da saga do aparelho auditivo nesse post.

Um comentário:

Anônimo disse...

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