Ontem terminei de assistir a série que está no Netflix
chamada "13 Reasons Why".
A série, me causou um misto de sensações contraditórias, um
passeio ziguezagueante que ia de indignação, passando por raiva, desprezo,
decepção, compaixão, e chegando em preocupação real.
É engraçado quando uma simples série de TV consegue ir muito
além de apenas entreter e divertir, aliás, de divertido essa série teve muito
pouco ou quase nada. Desta vez, uma série de TV cumpriu, ao menos na minha
forma de entender as coisas, um papel didático de alerta.
Para quem ainda não assistiu, uma garota de 17 anos, incapaz
de administrar as complexidades emocionais de sua adolescência termina tomando
a atitude mais drástica possível, dando cabo de sua própria vida.
Em vários momentos eu tentei traçar um paralelo entre tudo
aquilo que eu via em minha vida durante a adolescência, na escola. A verdade é
que me descobri aliviado, pois aquilo não aconteceu comigo, ao menos não daquela
forma e muito menos naquele nível. Para ser sincero, fui um cara privilegiado, tanto que por incrível que pareça, constatar isso em alguns
momentos, até me causa certo embaraço.
Fui privilegiado porque eu não posso afirmar que fui vítima
séria de bullying, embora tenham havido vários momentos em que as coisas
caminharam nessa direção. Houveram sim meninos e até meninas que me olharam
como um possível alvo para suas “maldades”, mas acho que terminei me protegendo
em um escudo de situação inversa. Não que eu tenha revertido a situação me
transformando em um "bully" no sentido verdadeiro da palavra e
fazendo o que eu tinha medo que fizessem comigo, escolhendo alvos frágeis para
maltrata-los sistematicamente como é infelizmente comum acontecer. Não, não cheguei a agir assim.
Acho sim que
meu privilégio foi ter recebido uma educação que, por mais que os
métodos não tenham sido exatamente um exemplo de retidão política, me ensinou a
me proteger. Eu então, tomei as rédeas da auto confiança e parti para uma
jornada segura que consistia em resolver os problemas de forma rápida e ágil. Talvez quem
olhasse de fora dissesse: “onde vai esse doido?”, mas dentro de mim, eu era
indestrutível. Essa auto opinião, é claro, me causou alguns problemas e entre
eles, uma certa dificuldade em manter relacionamentos ou estabilidade no
trabalho, coisas que só fui aprender a administrar bem mais tarde. A vida então, se encarregou de me maltratar de outras formas, já que os
colegas do colegial não conseguiam dar conta do “Super-Silvio”.
Mas então volto à 13 Reasons Why, onde Hanna, com seus 17
anos, não consegue lidar com o mundo louco ao seu redor. Temos bullying, amores
frustrados e até estupro e é claro, suicídio. A entrevista com os produtores ao final da temporada
explica que os adolescentes ainda não possuem seu ‘lobo frontal’ plenamente
desenvolvido e por isto, encontram uma dificuldade especial em lidar com suas
emoções – a “aborrescência” que tanto dizem, é um problema fisiológico e não
apenas social. Diante da sensação de que seus problemas perdurassem "para sempre", sua decisão é uma atitude drástica que termina destruindo a si e é claro, atingindo de forma contundente, muita
gente ao seu redor.
Eu como pai, apavoro-me. Se em vários momentos da série eu
pensava “como pode Hanna ser tão boba, tão ingênua, tão cheia de auto piedade, tão
fraca?” Em outros eu pensava que provavelmente aquilo tudo era só um retrato
exagerado, uma crítica caricatural de uma sociedade norte-americana que está
longe de ter um paralelo com os mano e as mina brasileira. Será que eu me
enganei? Não sei, mas não quero testar essa possibilidade em casa. A
série é pesada, mas necessária como alerta da necessidade de nos prevenirmos
contra a mais remota destas possibilidades, afinal suponho que uma tragédia
como essa, acontece de forma mais ou menos imprevisível por parte da maioria dos
pais, parentes e amigos dos adolescentes. A sensação de segurança, evidenciada
pelas boas notas na escola, pelo crédito nas habilidades emocionais e até mesmo
pela nossa própria arrogância que pode nos julgar como pais protegidos contra “esse tipo
de bobagem”, pode terminar nos pegando de surpresa diante da fragilidade emocional, social e fisiológica de nossos filhos vagando pelos meandros da fase pré-adulta.
Na série, Hanna é uma moça linda, inteligente. Seus pais são presentes, são compreensivos, são boa gente. Como é possível acontecer isso
então? A sensação de que seus problemas durarão para sempre, que pode ser entendida como uma persistência imediatista povoa os pensamentos de Hanna. Ela perde sua identidade e sua humanidade numa mescla de autocrítica e autocomiseração. Uma permanente sensação de "estar sobrando". Tudo isso em meio a um ambiente com uma aparência (apenas isso) saudável. Esse é o paradoxo dos filhos.
Comigo deu certo, meus pais me ensinaram a revidar qualquer
porrada direto na orelha de quem pensasse em dar a primeira, e embora seja
grato, hoje não concordo com essa abordagem, porque aquilo que funcionou comigo, não
irá necessariamente funcionar com meus filhos como um simples manual de
instruções. Eu tive a sorte de me encaixar num perfil psicológico capaz de me
proporcionar proteção, mas não posso tomar isso como certo para todos. É preciso
ir além, oferecendo apoio verdadeiro e compreensão, respeitando o tempo e as
diferenças entre meu eu-adulto e nossos filhos adolescentes, seres
completamente diferentes, vivendo em tempos diferentes, com meios sociais
diferentes, com posições subjetivas completamente diferentes diante dos
problemas, das dificuldades e dos imprevistos que a vida nos apresenta.
Sivuca