sexta-feira, 24 de maio de 2019

Ativista de mim mesmo


Ativista de mim mesmo


Numa sexta feira em 2018, a juíza Mirtes Blum, de Porto Alegre, junto com um promotor público, julgou procedente meu pedido de adoção de minha filha Sol. Na prática, o nome da genitora foi substituído pelo meu na certidão de nascimento e na carteira de identidade e a Sol passou a contar com dois pais "de papel passado".

Desde o dia que nasceu, a Sol brilhou em nossos dias e guiou todos os passos e decisões de nossas vidas. De repente, dois marmanjos ursos se viram rodeados de fraldas e mamadeiras, noites sem dormir, choros, pediatras, musiquinhas, chocalhos e tudo o que faz parte da vida de uma criança que acaba de nascer. Mas o ingrediente principal esteve presente desde a hora zero. O amor entre estes dois caras, por quem os vizinhos do prédio não iam muito além de um bom dia, foi e é o combustível para uma aventura dessa dimensão. De repente, os caras do 403 viraram papais e começaram a ganhar sorrisos e cumprimentos no elevador, ganharam também toalhinhas bordadas com o nome da princesinha que eles carregavam para cima e para baixo, as senhoras perguntavam e davam dicas. Todos se interessaram pelo que aqueles dois improváveis tinham acabado de fazer.

Nos restaurantes, éramos conduzidos a melhor mesa, nas filas, nos colocavam primeiro. Era evidente que nosso status social crescera da noite para o dia. É natural, as pessoas veem um bebê gracinha na cadeirinha, com seus olhos negros e seus cabelinhos enrolados antes de olhar para cima e ver dois carecas carregando um necessaire improvável com a camiseta do Pink Floyd e tênis All Star.

Quase nunca, em todos esses anos, posso dizer que me senti vítima de preconceito, digo quase nunca porque justamente aqui em Porto Alegre, um sujeito em um restaurante não gostou que o copo de cerveja tombasse na mesa perto dele... essa foi a desculpa para que ele se levantasse num ímpeto e carregasse toda a família para outra mesma mais afastada "dos viados". Mas foi precisamente nesse momento que nos olhares que troquei com o Alejandro, senti que estávamos armados e prontos para enfrentar sem vacilo, a próxima evidência de discriminação... o sujeito, aparentemente percebeu de canto de olho que os dois carecas crossfitters com a criancinha de 6 anos não pareciam estar muito dispostos a deixar quieta alguma provocação mais evidente, e tratou de se colocar o rabo entre as pernas.

Há quem diga que não foi bem assim, mas nem vem muito ao caso. A gente se garante diante de uma eventual demonstração de preconceito, acho eu, mas como ficam os muitos outros caras e minas, carecas ou cabeludas, ursos ou barbies, sapatas ou softs, bibinhas ou nerds? Existe por aí um número bem grandinho de gays presos em seus armários. Presos porque não conseguem sair, presos porque não conseguem encontrar um caminho de saída para si mesmos, presos porque temem perder aquilo que duramente conquistaram. De fato, não é nada fácil fazer uma aposta desse tamanho, que a partir de amanhã o gay que acaba de sair do armário continuará levando a mesma vida que ele gostava de levar, com direito e cerveja com os amigos, pedal e churrasco no fim de semana e futebol as sextas feiras.

Realmente uma saída do armário precisa de um ingrediente essencial: autoconfiança. E por autoconfiança, entende-se a capacidade de acreditar que é possível reconstruir aquilo que desmoronou quando você menos esperava. Não é tarefa das mais fáceis e não há como discriminar e muito menos hostilizar quem não dispõe de tanta autoconfiança na manga do paletó.

O fato é que a construção dessa autoconfiança depende em primeiro lugar de desconstruir o preconceito contra si mesmo. Para aliviar, eu posso dizer que isso pode ser um processo gradual, ao menos comigo foi assim, pois eu já era gay assumido, mas ainda criticava gays afeminados, na tentativa de ser aceito dentro de um mundo onde bastava cumprir com alguns pre-requisitos de heteronormatividade e "tirar o olho da minha bunda". Hoje tenho vergonha de admitir um comportamento homofóbico enquanto gay, mas seria arrogante de minha parte alegar que saltei para o topo da evolução social da noite para o dia, especialmente considerando que ainda estou raspando nas faldas dessa montanha.

Mas... o que é fácil para uns, pode ser muito difícil para outros.

Um Guia Gay para Amigos Héteros (e gays também) - Parte 2

Este artigo é continuação deste artigo aqui.

Como já comentei anteriormente, não sou psicólogo, antropólogo ou sociólogo, muito menos sexólogo. Mas de fato me interesso por assuntos que têm relação com o fato de eu mesmo ser gay, assumido e ainda pai de família. Talvez justamente por eu ser tão resolvido quanto a minha condição, sinta-me imbuído de uma espécie de dever de contribuir de alguma forma com um material que possa servir de orientação ou inspiração para pessoas que passam por processos semelhantes aos que enfrentei e que ainda sofrem ou encontram dificuldade para lidar com todas as complexidades que tudo isto envolve.

Sair do armário

Assumir a homossexualidade pode ser uma coisa tranquila, que a partir de uma simples constatação, passa a valer, ou pode ser um processo que toma a vida inteira da pessoa sem nunca se consumar. Tudo depende de autoaceitação. Aceitar quem você é, é o passo essencial e isso depende de como você construiu sua opinião sobre a sexualidade.

Lembro-me da primeira vez que fui a uma balada gay (na época a palavra era boate). Eu tinha 18 anos e um professor (querido Geraldo) me levou. Confesso que estava assustadíssimo, afinal o que será que eu ia encontrar naquele "antro"? O fato é que foi um alívio inexplicável descobrir que todos aqueles caras dançando e se divertindo, comportavam-se e vestiam-se como eu, ou seja, o mais casual possível. Com raríssimas exceções, todos ali poderiam ser qualquer um desde o seu Manuel da padaria, passando pelo borracheiro Zé e indo até o diretor industrial da empresa.
Ora, então eu não precisaria sair por aí de vestidinho vermelho? Ufa! Que alívio! Imaginem o que significou para um rapaz de 18 anos que achava que todos gays eram super afeminados e se depara com uma surpresa dessas... Posteriormente compreendi que (chutando um número) de cada 10 gays, 1 dá pinta, os outros 9 ninguém nem imagina. Com o tempo cheguei a proferir a reprovável frase: "Gay sim, bicha não..."... só mais recentemente que deixei de ser um gay preconceituoso e passei a aceitar a presença de pessoas afeminadas sem torcer a sobrancelha. Veja só... não é tão difícil assim, é só uma questão de respeitar as pessoas como elas são. Hoje sei muito bem que daqueles 9 que comentei na linha anterior e que ninguém imagina, pelo menos 3 estão fazendo um esforço tremendo para conter seu comportamento afeminado, o que é uma triste e lamentável constatação.

Algumas pessoas apenas toleram gays que se comportam dentro da heteronormatividade, e reagem violentamente quando algum movimento mais delicado aparece. Isso é aceitação? Acho que não, pois aceitar o invisível é muito fácil, qualquer pessoa consegue fazer isso. Aceitar a diversidade como realidade é outra história. Vejo algumas pessoas criticando Pablo Vittar, por exemplo. "Afinal ele é o quê?" algumas perguntam. A resposta é Pablo é uma pessoa. Você não é uma pessoa também? Você não considera essencial ser respeitado pelo que você é? Pois é, Pablo também. Pablo está influenciando as crianças e tornarem-se gays? Acho que não, gays saem do forno prontos, assim como não gays vêm para o mundo como tal. Seu filho resolveu brincar de boneca vestido de princesa depois de ver o Pablo dançando? Tudo bem, a criança está se descobrindo, deixe-a experimentar e viver sua fantasia, pois daqui a pouco tudo o que é fantasia nesse seu lindo filho irá morrer e ele será um adulto sem graça, com calça de tergal e gravata como qualquer um de nós.

Sair do armário significa encarar a realidade de frente e colocar-se como pessoa, acima daquilo que o momento e o lugar em que vivemos, considera como socialmente aceitável. A explicação simples pode esbarrar em complexidades enormes, já que existem lugares no mundo atual onde homossexualidade ainda é chamada de homossexualismo, como se fosse uma escolha prática e ainda é considerado crime, inclusive punível com a morte. No mínimo, muita gente já foi expulsa de casa pelos próprios pais, ou perdeu o emprego ou terminou sendo vítima de violência. O Brasil não é um exemplo de tolerância, ao contrário, vivemos um país que tem uma das mais altas taxas de crimes cometidos contra homossexuais exclusivamente devido ao fato de apenas o serem.

Homofobia

A homofobia pode ser definida com uma frase que normalmente está dentro da cabeça do homofóbico e motiva suas ações: "Como ele se atreve a ser aquilo que eu me esforço para não ser?"

Essa aparente contradição motiva qualquer ação violenta contra o homossexual, seja violência verbal, física ou social, como impedir alguém de entrar num clube ou perder o emprego por conta disso. É triste e lamentável o comportamento homofóbico, já que o homossexual é uma pessoa como qualquer outra. Então agredir, insultar ou praticar maldades contra gays é um comportamento horroroso mesmo. Espero que torne-se crime, como já é em vários países do mundo.

Mas aparentemente existe alguma motivação mais específica por trás do comportamento homofóbico. Eu tenho notado que assim como para algumas pessoas, o fato de eu ser gay é completamente irrelevante, em outras parece haver uma espécie de fascínio. De fato, algumas pessoas parecem se interessar pelo tema mais do que outras, qual seu caso?

O que será que existe por trás disso? Na minha forma de ver, gays vivem suas vidas de diferentes formas. Existem aqueles que são tranquilos com sua sexualidade e levam sua vida numa boa fora do armário. Existem aqueles que estão no armário, talvez por uma soma de fatores psicossociais mas levam uma vida de mini-fugas para saunas e escurinhos, voltando para o armário logo depois. Alguns deles casaram-se cedo, constituíram família e só depois compreenderam sua sexualidade mais profundamente. Algumas delas são apenas bissexuais que eventualmente se interessariam por transar com pessoas do mesmo sexo, mas como estão tranquilas em seus casamentos e suas famílias, não há muito com que se preocupar. Eventualmente, quando se aproximam de pessoas gays, sentem-se mais fascinadas por elas e tentam descobrir como poderiam ter sido suas vidas, ao constatar que é perfeitamente possível viver feliz independentemente da sexualidade, basta abrir a porta do armário.

Finalmente existem aqueles gays que se odeiam. Famílias machistas têm uma parcela de culpa na construção um processo de autorrejeição, mas mentes fracas e mal informadas também pouco fazem ou conseguem fazer para se aceitar, talvez por não conseguirem enxergar a sexualidade como algo normal. A influência da igreja pode ser muito negativa nessa hora, já que toda a construção da igreja vem de épocas em que a sexualidade era violentamente reprimida.
Enfim, estamos diante de um triste quadro, pois quando essas pessoas se deparam com gays fora do armário, um alarme toca em suas cabeças dizendo "Olha, como esse viado se atreve ser tão feliz enquanto eu sou tão fudido? Vai lá e quebra a cara da bicha!"

Então aí está, a homofobia é muito provavelmente a válvula de escape do gay preso num armário muito dolorido.

Identidade de gênero

Imagem relacionadaTotalmente diferente da orientação sexual, a identidade de gênero é tão simples quanto diz o nome, é o gênero com o qual a pessoa se identifica, se reconhece. Isso é simples de entender, mas para muita gente, ainda muito difícil de aceitar. Ops! Quem disse que é preciso aceitar? Basta respeitar.

Então de uma hora para outra João decide que quer ser Maria e vice versa? Bem, querido leitor. Esta "decisão" não é exatamente tão simples assim. A percepção da identidade sexual de uma pessoa é na maioria das vezes, um processo extremamente complexo e doloroso inclusive. Suponho que não existe maneira mais eficiente de tentar compreender, do que a empatia, ou seja, tentar se imaginar no lugar de uma pessoa que gradualmente, ao longo da infância ou da adolescência, olha no espelho e cada vez mais, tem que encarar a ideia irreversível de que de fato aquela pessoa que ele ou ela está vendo, é de fato de outro sexo. Externamente, tudo afirma e aponta numa direção, mas dentro da pessoa, a sensação é de estar no corpo errado. Perceba que a mera ideia de imaginar-se em uma situação assim, já é assustadora, imagine então ter de lidar com isso como fato consumado.

Não há a menor dúvida que uma pessoa trans passa por um sofrimento enorme e muitas dessas pessoas não irão suportar o sequer sobreviver a este sofrimento. Então some a esta situação singular, uma sociedade machista não só incapaz de respeitar, mas capaz de atos de violência contra essas pessoas e você tem uma fórmula absolutamente assustadora.

Acho que uma pessoa trans que conseguiu superar tudo o que o processo lhe impõe como obstáculo é dotada de uma coragem inquestionavelmente gigante. É preciso muita autoconfiança para vencer e não há dúvida que os que conseguiram, são verdadeiros vencedores e vencedoras.

Então, o fato é que existem meninos que se reconhecem como meninas e vice versa, entretanto não se pode deixar de atentar para um detalhe essencial: A identidade sexual não possui uma relação direta com a sexualidade. O que quer dizer isso? Veja só, um rapaz pode se identificar e sentir-se mulher, mas se ele vai querer ou gostar de transar com mulheres ou homens, isso é uma outra questão que não tem relação com a primeira. Identidade sexual é o sexo que a pessoa sente que pertence, ou seja, o que ela é. Sexualidade ou preferência sexual é o sexo que a pessoa faz.
É possível ser uma mulher trans (que nasceu com um corpo de homem) que transa homens ou que transa mulheres e vice-versa.

Se o processo de identificação sexual já é uma complexidade em si, imagine então quando a pessoa toma a decisão derradeira de transformar sua aparência no outro sexo, esta pessoa costuma dizer-se Trans. Existem homens e mulheres trans. A cartunista Laerte, por exemplo, nasceu homem, viveu mais de 50 anos como tal e só recentemente assumiu sua transexualidade. Laerte é uma pessoa trans. Thammy Miranda, que é o filho da atriz Gretchen, nasceu mulher, sente-se identificado com uma aparência masculina, Thammy é homem trans. Usei exemplos de pessoas famosas para evocar suas imagens mais facilmente. De fato, você encontrará infindáveis possibilidades de combinações de sexualidades e identidades e cabe a você respeitar que o desejo de cada um deve ser soberano a qualquer padrão pré-estabelecido.

Claro que as perguntas emergem, muita gente alega que quem nasceu homem, será homem para sempre, entretanto não podemos nos esquecer que o corpo difere da mente. Existem homens que se sentem felizes voando de parapente, ao passo que existem homens que não podem sequer imaginar a possibilidade de se afastar do chão. Nenhum dos dois é mais ou menos homem, pois o que está entre as pernas não tem relação direta com o que está dentre da cabeça. É muito complicado e inimaginável para quem tem terror de altura, sair por aí voando, assim como é também quase impossível para quem está feliz com sua identidade sexual, imaginar-se em outra.

Como comentei anteriormente, esta é uma excelente oportunidade para um exercício de empatia, que consiste em tentar se colocar no lugar da outra pessoa. Se para você, isto é completamente impossível ou inaceitável, das duas uma, ou você simplesmente não consegue se colocar no lugar de outra pessoa, ou seus conceitos mais básicos de liberdade individual necessitam urgentemente de uma revisão.

Respeito

Acho que a base de tudo é o respeito pelas pessoas, independentemente de como elas fazem para gozar.
Todas as pessoas são iguais e todas devem ter os mesmos direitos. Casar, ter família, ir ao parque, à praia, à escola, ao cinema, viajar, enfim... viver.
Gastar energia fiscalizando o cu dos outros é no mínimo doentio para dizer o mínimo. Então, se a homossexualidade é tão fascinante para você, procure descobrir o que está por trás, pesquise, pergunte, informe-se; mas, acima de tudo, respeite.

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Assista sem medo, são bons, alguns maravilhosos filmes sobre o assunto:


  • Hoje eu quero voltar para casa sozinho
  • O segredo de Brokeback Mountain
  • Tomboy
  • Tudo sobre minha mãe
  • A garota dinamarquesa
  • Laerte-se
  • Clube de compras Dallas
  • Meninos não choram
  • Flawless (ninguém é perfeito)
  • Direito de amar
  • Transamerica
  • Minhas mães e meu pai
  • Plata quemada
  • Cazuza
  • Queda livre
  • Priscila a rainha do deserto


E séries também:

  • Six feet under
  • Transparent
  • Will e Grace
  • Modern Family
  • Orange is the new black
  • Sense 8
  • Grace and Frankie
  • Spartacus


E por aí vai. Não esqueça de contar para seus amigos(as)

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Pedofilia

Que merda ter de escrever sobre isso aqui, como se fosse mais um item da lista, mas a cabeça das pessoas as vezes é tão confusa que é preciso simular alguma normalidade para poder começar a falar sobre determinado assunto, e considerando a gravidade deste, não posso simplesmente ignora-lo. Então vamos lá.

Apesar de não ter absolutamente nenhuma relação com a sexualidade, já que pedofilia é uma doença psicológica que consiste na atração sexual por crianças, que pode ser por este ou aquele sexo, muita gente ainda infelizmente insiste em associar este triste e lamentável transtorno psicológico à homossexualidade. De fato não tem nada a ver uma coisa com a outra e muito menos que o fato de a pessoa ser homossexual implique em qualquer possibilidade de ela querer ter sexo com crianças. Na verdade a homofobia é o motor que impulsiona algumas mentes a associar as duas coisas numa tentativa de patologizar a homossexualidade.
A ideia é um triste disparate e transpira seu recheio de preconceito contra os homossexuais.

De qualquer forma, aquela pessoa que desgraçadamente infeliz, se descobre pedófilo deve agir com urgência para controlar sua doença, tratando-se e fazendo acompanhamento psicológico constante para garantir que apesar dos sintomas de sua doença serem reais e levarem-no naquela direção, ele tem de se garantir que não cometerá o crime. Existem inclusive grupos de pedófilos anônimos que suponho, são frequentados por pessoas que convivem com o transtorno e lutam bravamente para mantê-lo sob controle.


Reencontrando amigos do Samiar

Foi só uma nota no Messenger do Facebook, daquelas que normalmente você ignora, afinal, quem usa Facebook hoje em dia? As redes sociais vão ...