Quando uma tremenda virose me fez arrumar as malas e voltar correndo pra casa antecipadamente em 1999 logo após de fazer um voo recorde de 166km no sertão do Ceará, não imaginei que só voltaria para a caatinga após dez anos.
Eu estava seco pra voltar a voar sobre a "terra de Marlboro", como se diz quando você vai sobrevoar lugares onde não vive ninguém ou quase ninguém e comecei a esboçar uma viagem pra Quixadá no Ceará quando meu amigo Arthur me comentou que outros amigos, o Mexicano e o Ailton estavam organizando uma trip para Santa Teresinha na Bahia.
Eu já voei lá, foi em 1998, numa excursão organizada pelo Chico Santos, chamada "Jibóia só para Cobras" porque a decolagem era da serra da Jiboia que nem se escreve mais com acento... Agora a decolagem é da rampa do Boqueirão, bem melhor e de mais fácil acesso.
Adorei a ideia, comprei a passagem e fiquei esperando o dia 2 de outubro chegar. Quando fiquei sabendo que seríamos um grupo de 13 pilotos, confesso que fiquei assustado, talvez seja trauma da equipe "Salto Alto" quando participei do mundial de 99 na Áustria, quando o stress foi maior que as alegrias, mas como já estava tudo pronto lá fui eu.
E foi ótimo! O grupo foi nota DEZ! Uma turma unida, simpática, todos bons pilotos, enfim.. só alegrias. Deixa ver se eu lembro os nomes todos...
Mexicano, Bauru, Sandro, Top, Rafa, Tuzim, Gian, Amilcar, Vovó, Palmito, Sivuca, Baldok e Juninho.
Ficamos hospedados na pousada do top-casal Claudinha e Serjão. A Claudinha é piloto de parapente também e é quem quebrou o recorde mundial de voo duplo junto com André Fleury, a menina está até no
Guinness! O Serjão é nosso super resgate, responsável por varar o sertão com sua Toyota, disposto a ir buscar o piloto maluco onde quer que ele pouse. Claro que é preciso um pouco de bom senso, não é mesmo? De preferência pousar em um lugar acessível e na rota combinada.
Bem para quem não é voador, aqui vão algumas informações interessantes. Estamos falando de voo de parapente, que é esse da foto (é só clicar pra ver grandão). O brinquedo é uma modalidade de voo livre, lembra da asa delta? pois é... o parapente é um parente. O Joãozinho senta naquela cadeirinha e ao sabor das ascendentes térmicas, tenta conduzir sua aeronave o mais longe que for possível. Como você vê, não há motor, tudo vai na base da habilidade técnica, capacidade de compreensão, interpretação e decisão sobre o que fazer e como. As térmicas são massas de ar que se deslocam para cima; quando um parapente passa por uma delas, pode subir junto se ele for habilidoso o suficiente.
No sertão, as térmicas são mais fortes, os ventos também e o que tem lá embaixo não é exatamente grama fofa... basicamente você está sobrevoando a caatinga nordestina, ou seja, praticamente um deserto de espinhos, calangos e um calorão de rachar coco. Como as condições de voo são muito mais fortes que aquelas que encontramos aqui pertinho de Sampa, então as possibilidade de voos mais longos são muito maiores e é exatamente atrás disso que nós pilotos estamos.
O que eu sei é que apesar de a princípio parecer uma apavorante roubada, sobrevoar essa terra dá um tesão do cacete nem sei explicar porquê. Talvez uma mistura entre a possibilidade de quebra de recordes com o fato de se colocar a prova numa situação tão singular, longe do conforto e da segurança de um shopping, por exemplo, nos proporcione um recado para lembrarmos que a vida é uma coisa que pode ser um saco ou uma experiência extremamente excitante, é só uma questão de escolha.
Na foto ao lado dá para ter uma ideia de como é a vida dentro da "cabine de comando" do piloto de parapente. 100% de contato com o ar, literalmente pendurado a milhares de metros de altura sobre uma puta terra de ninguém que assusta até carcará.
No meu colo vocês estão vendo um cockpit com os instrumentos de voo, são eles o GPS, a minha inseparável bússola (embora no ano em que estamos já tem gente que tira sarro dizendo que ela é arcaica, mas eu gosto muito dela porque a bicha funciona) e logo mais a direita o variômetro que é o brinquedo que diz qual sua altitude, sua taxa de subida ou descida e mais alguns tralalás. Ainda há o rádio para se comunicar com os outros pilotos e o resgate além de espaço para barrinhas de cereal, banana passa, dois litros de água com maltodextrina pra ficar fortão, e mais algumas bugigangas outras para um mínimo de sobrevivência longe da sala de casa.
O voo é altamente gratificante, não há como não ficar babando em paisagens como essa, no momento em que estou cruzando o Rio Paraguaçú, rumo leste a quase dois mil metros acima do chão ou nessa outra sobrevoando as formas da cidadezinha de Itaberaba no sertão Bahiano.
A paz de estar pendurado no céu, totalmente a mercê de você mesmo, onde somente a sua decisão é o que conta para que as coisas aconteçam, é algo indescritível. Imagino que aquelas pessoas que passam o dia recebendo ordens de chefes vão ficar muito felizes ao descobrir que voar de parapente significa não ter chefe.
Esse voo das fotos foi particularmente especial, já que significou a quebra de meu recorde pessoal conquistado a exatos dez anos quando estive no Ceará em 1999. Na época fiz um voo de 166km, dessa vez foram mais de seis horas voando para conseguir realizar a marca de 187km pousando literalmente no sopé da Chapada Diamantina. Baixei o log do GPS
nesse arquivo aqui que você pode abrir no Google Earth e ver direitinho como foi o voo, aliás eu recomendo que faça isso para se ter uma ideia da dimensão da experiência.
Mais fotos e mais histórias você pode ver em meu álbum de fotos, é só clicar
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