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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Barbárie e empatia


Em 1997, um grupo de cinco jovens delinquentes ateou fogo em um índio Pataxó, que dormia em uma parada de ônibus em condição de rua. Naquela madrugada, eles vinham de uma balada, tinham bebido bastante. Estacionaram o carro ao lado da parada de ônibus, desceram, e munidos de álcool e fósforos atearam fogo ao homem que dormia. Galdino, o índio, não resistiu aos ferimentos e morreu.

Na época, a barbárie causou comoção no Brasil todo e muito se especulou sobre os motivos que levam as pessoas a cometerem crimes tão horríveis.

Com o tempo, ficou mais claro entender que quando em grupo, as pessoas tornam-se capazes de atos que não teriam sido, se estivessem sozinhas. O grupo produz uma espécie de aval, já que a culpa não pertence mais a este ou àquele, mas a todos. Mais que isso, se o grupo avaliza, a culpa se invalida, já que tecnicamente, o coletivo prevalece sobre o individual.

Durante 350 anos, o Brasil escravizou, torturou, explorou e matou pessoas negras, roubadas de seus lares, separadas de suas famílias, destituídas de suas identidades, de suas culturas, de seus nomes, de suas próprias personalidades como seres humanos. Por volta de 1700, o meio intelectual discutia se os índios eram de fatos desprovidos de alma ou não, e discutiam se poderiam ser ou não, ser “salvos” por meio do batismo cristão, custasse o que fosse. Para todos os efeitos, eram almas perdidas e qualquer ação contra eles era plenamente aceita e avalizada pela sociedade, o que incluía a igreja católica, naturalmente. Já a situação dos negros, sequer era levada à discussão, negros eram considerados subespécie e ponto final.

Durante o nazismo, a sociedade alemã rapidamente aceitou como correto o antissemitismo e avalizou qualquer atitude contra o povo judeu. À frente desta, seu líder, que era visto como o homem que veio para salvar a Alemanha dos graves problemas econômicos que o pós primeira guerra infligiu à população, mostrava-se realizado com o aparente sucesso de seu plano de limpeza étnica. Eu poderia continuar enumerando um sem número de crimes contra a humanidade, idealizados, promovidos e avalizados por seus líderes.

Os seres humanos são animais difíceis de lidar, mas apesar de suas imprevisibilidades, me parece simples entender que os humanos são além de apenas um animal social, um animal paternalista. O humano necessita ter um superior. A dificuldade em assumir as responsabilidades que a vida impõe às pessoas, é facilmente (mas apenas aparentemente), solucionada quando estas, consideram que existe algo ou alguém acima delas, produzindo um efeito de responsabilização e avalizando seus atos. Essa responsabilização é ilusória, é claro, mas o efeito emocional que a figura paterna de um chefe, um presidente ou mesmo uma religião causa nas pessoas, é capaz de fazê-las agir, como não agiriam se de fato, assumissem seu livre arbítrio como característica inescrutável e pessoal de cada um.

Na madrugada de ontem, uma pessoa sozinha ateou fogo em um morador de rua, que morreu logo após. O criminoso estava sozinho, decidiu se aproximar enquanto o homem dormia, e cometer seu crime. Ele não estava acompanhado de nenhum grupo. Quando vejo uma coisa assim acontecendo, me questiono nossos rumos a partir de amanhã. Me questiono quais são as ideias e circunstâncias, que na mente doentia daquele sujeito, conseguiram ratificar, funcionando como aval para seu ato hediondo.

Imediatamente me vejo olhando em volta e vendo pessoas de fato preocupadas com o avanço da economia, ou com a alta da bolsa. Me esforço tremendamente, mas não consigo me preocupar com essas coisas. Sinto que nos falta o básico, nos falta o essencial, nos falta a essência, nos falta uma ideia do que significa ocupar espaço, enquanto destruímos um planeta, avalizados por nos considerarmos seres superiores e absolutos, reinando sobre todos os demais e governados por mentes que consideramos superiores a nós ou simples ideias de seres divinos.

Os humanos têm uma dificuldade primordial: colocar-se nas calças do outro. Haverá solução para isso um dia? Certamente que não, e é por isso que é preciso abrir a boca, é preciso protestar, é preciso reclamar, bater panela, botar a boca no trombone, porque quem se cala diante da barbárie, torna-se parte da própria barbárie.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Onda (Die Welle)


Quando o professor Reiner invoca o 3º Reich como um exemplo para sua aula de autocracia; na verdade o exemplo fora dado por um aluno, imediatamente a classe rechaça a ideia alegando que isso são águas passadas. Uma das alunas diz que há uma "responsabilidade histórica" na Alemanha, piadas surgem e Hitler parece tão distante quanto uma viagem no tempo.

O que vem em seguida é uma incrível proposta didática. Sem prévio aviso, o professor cria uma simulação de modelo autocrático na sala de aula, elaborando junto com os alunos, uma espécie de sociedade que os próprios batizam de "Die Welle" (A Onda). Realmente, vivenciar aquilo que se quer ensinar é uma forma extremamente eficiente do ponto de vista didático. A coisa tem tudo para funcionar, o professor é o modelo ideal de ditador eufemístico, já que a classe o venera; ele usa camisetas do "The Clash", tem um estilo todo despojado, especialmente se comparado aos sizudos colegas, não há como não se "apaixonar" pelo professor Reiner, que na simulação da autocracia, agora tem de ser chamado "Herr Wender".

É assustadoramente simples como um regime autocrático, vestido com seus símbolos, gestos, site, adesivos, uniformes, padrões enfim, pode envolver uma multidão. Rapidamente a turma embarca nessa "Onda" que é vista singelamente como um agregador da comunidade. Aqueles alunos mais fragilizados pela aborrescência rapidamente se tornam fieis seguidores em especial. A escolar lista de características do regime, ditada pelos alunos no início da aula, termina invariavelmente se tornando prática comum nos dias que seguem a experiência e sem que os alunos se deem conta, passam a integrar seu dia a dia de maneira cada vez mais assustadora.

É aí que o problema começa: "A Onda" começa a tomar uma dimensão maior que o esperado e começa a ficar complicado controlar os fatos. É aqui que paro meu texto, pois você tem de ver o filme e não quero estragar a história, depois que você assistir a gente conversa sobre o final que é surpreendente. O filme é baseado em fatos reais.

Só quero completar dizendo que o filme é tão envolvente que eu tinha um compromisso que me esqueci completamente e precisei de alguns minutos após os créditos finais para voltar de verdade para a Mooca, São Paulo, SP, Brasil, 22 de outubro de 2009.

Quando eu trabalhava no navio

Sem saber, entrei naquela enfermaria da UTI pela última vez. Percorri o corredor iluminado com aquele branco intenso, quase antisséptico, e ...