terça-feira, 11 de julho de 2017

Laerte-se, uma aula de humanidade



Sempre curti as tirinhas do Laerte e quando ouvi a notícia de que ele tinha decidido se vestir de mulher, achei que fosse mais uma dessas coisas "modernas"... rápida e bovinamente a gente trata de imaginar um rótulo que encaixe no conteudo; crossdresser? curioso? polêmico? palhaço?

Ontem assisti o documentário protagonizado por ele no Netflix e várias coisas me impressionaram. A confirmação que ele agora é mulher mesmo, no sentido mais humano da palavra é apenas uma informação a mais.

O que mais me chamou a atenção é que o documentário desmistifica e ensina a respeitar algo que nossa cultura nos ensinou a ridicularizar. Laerte, com sua simplicidade, sua doçura, sua inteligência social implícita em um certo desconforto diante da câmera, mostra que ele é tão humano quando eu e você e que uma decisão tomada depois de 60 anos de vida, não deprecia a vida que ele viveu até então, muito pelo contrário, mostra que sempre há tempo para celebrar e viver com muito mais intensidade.

Assista sem medo, aproxime-se desse mundo que ainda é tão complicado quanto assustador para tanta gente. Seu trabalho é um ato de respeito e abertura e principalmente de amor pela vida e por tudo o que ela pode proporcionar, sem censura, sem repressão, sem preconceito. Assim meio sem jeito, ele se revela, se abre, se entrega à opinião que qualquer um quiser dar, sem que qualquer opinião seja necessária, apenas carinho e sem dúvida, respeito e admiração.

Obrigado Laerte, por essa aula de humanidade.


Sivuca

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Muito mais que 13 motivos

Ontem terminei de assistir a série que está no Netflix chamada "13 Reasons Why".

A série, me causou um misto de sensações contraditórias, um passeio ziguezagueante que ia de indignação, passando por raiva, desprezo, decepção, compaixão, e chegando em preocupação real.

É engraçado quando uma simples série de TV consegue ir muito além de apenas entreter e divertir, aliás, de divertido essa série teve muito pouco ou quase nada. Desta vez, uma série de TV cumpriu, ao menos na minha forma de entender as coisas, um papel didático de alerta.

Para quem ainda não assistiu, uma garota de 17 anos, incapaz de administrar as complexidades emocionais de sua adolescência termina tomando a atitude mais drástica possível, dando cabo de sua própria vida.

Em vários momentos eu tentei traçar um paralelo entre tudo aquilo que eu via em minha vida durante a adolescência, na escola. A verdade é que me descobri aliviado, pois aquilo não aconteceu comigo, ao menos não daquela forma e muito menos naquele nível. Para ser sincero, fui um cara privilegiado, tanto que por incrível que pareça, constatar isso em alguns momentos, até me causa certo embaraço.

Fui privilegiado porque eu não posso afirmar que fui vítima séria de bullying, embora tenham havido vários momentos em que as coisas caminharam nessa direção. Houveram sim meninos e até meninas que me olharam como um possível alvo para suas “maldades”, mas acho que terminei me protegendo em um escudo de situação inversa. Não que eu tenha revertido a situação me transformando em um "bully" no sentido verdadeiro da palavra e fazendo o que eu tinha medo que fizessem comigo, escolhendo alvos frágeis para maltrata-los sistematicamente como é infelizmente comum acontecer. Não, não cheguei a agir assim.

Acho sim que meu privilégio foi ter recebido uma educação que, por mais que os métodos não tenham sido exatamente um exemplo de retidão política, me ensinou a me proteger. Eu então, tomei as rédeas da auto confiança e parti para uma jornada segura que consistia em resolver os problemas de forma rápida e ágil. Talvez quem olhasse de fora dissesse: “onde vai esse doido?”, mas dentro de mim, eu era indestrutível. Essa auto opinião, é claro, me causou alguns problemas e entre eles, uma certa dificuldade em manter relacionamentos ou estabilidade no trabalho, coisas que só fui aprender a administrar bem mais tarde. A vida então, se encarregou de me maltratar de outras formas, já que os colegas do colegial não conseguiam dar conta do “Super-Silvio”.

Mas então volto à 13 Reasons Why, onde Hanna, com seus 17 anos, não consegue lidar com o mundo louco ao seu redor. Temos bullying, amores frustrados e até estupro e é claro, suicídio. A entrevista com os produtores ao final da temporada explica que os adolescentes ainda não possuem seu ‘lobo frontal’ plenamente desenvolvido e por isto, encontram uma dificuldade especial em lidar com suas emoções – a “aborrescência” que tanto dizem, é um problema fisiológico e não apenas social. Diante da sensação de que seus problemas perdurassem "para sempre", sua decisão é uma atitude drástica que termina destruindo a si e é claro, atingindo de forma contundente, muita gente ao seu redor.

Eu como pai, apavoro-me. Se em vários momentos da série eu pensava “como pode Hanna ser tão boba, tão ingênua, tão cheia de auto piedade, tão fraca?” Em outros eu pensava que provavelmente aquilo tudo era só um retrato exagerado, uma crítica caricatural de uma sociedade norte-americana que está longe de ter um paralelo com os mano e as mina brasileira. Será que eu me enganei? Não sei, mas não quero testar essa possibilidade em casa. A série é pesada, mas necessária como alerta da necessidade de nos prevenirmos contra a mais remota destas possibilidades, afinal suponho que uma tragédia como essa, acontece de forma mais ou menos imprevisível por parte da maioria dos pais, parentes e amigos dos adolescentes. A sensação de segurança, evidenciada pelas boas notas na escola, pelo crédito nas habilidades emocionais e até mesmo pela nossa própria arrogância que pode nos julgar como pais protegidos contra “esse tipo de bobagem”, pode terminar nos pegando de surpresa diante da fragilidade emocional, social e fisiológica de nossos filhos vagando pelos meandros da fase pré-adulta.

Na série, Hanna é uma moça linda, inteligente. Seus pais são presentes, são compreensivos, são boa gente. Como é possível acontecer isso então? A sensação de que seus problemas durarão para sempre, que pode ser entendida como uma persistência imediatista povoa os pensamentos de Hanna. Ela perde sua identidade e sua humanidade numa mescla de autocrítica e autocomiseração. Uma permanente sensação de "estar sobrando". Tudo isso em meio a um ambiente com uma aparência (apenas isso) saudável. Esse é o paradoxo dos filhos.

Comigo deu certo, meus pais me ensinaram a revidar qualquer porrada direto na orelha de quem pensasse em dar a primeira, e embora seja grato, hoje não concordo com essa abordagem, porque aquilo que funcionou comigo, não irá necessariamente funcionar com meus filhos como um simples manual de instruções. Eu tive a sorte de me encaixar num perfil psicológico capaz de me proporcionar proteção, mas não posso tomar isso como certo para todos. É preciso ir além, oferecendo apoio verdadeiro e compreensão, respeitando o tempo e as diferenças entre meu eu-adulto e nossos filhos adolescentes, seres completamente diferentes, vivendo em tempos diferentes, com meios sociais diferentes, com posições subjetivas completamente diferentes diante dos problemas, das dificuldades e dos imprevistos que a vida nos apresenta.


Sivuca

Arrogância do bem também faz mal

Ao longo de minha vida como não-analista, relacionei-me com um infindável número de pessoas. Uma importante parte desse número foi feita pri...