sexta-feira, 24 de maio de 2019

Ativista de mim mesmo


Ativista de mim mesmo


Numa sexta feira em 2018, a juíza Mirtes Blum, de Porto Alegre, junto com um promotor público, julgou procedente meu pedido de adoção de minha filha Sol. Na prática, o nome da genitora foi substituído pelo meu na certidão de nascimento e na carteira de identidade e a Sol passou a contar com dois pais "de papel passado".

Desde o dia que nasceu, a Sol brilhou em nossos dias e guiou todos os passos e decisões de nossas vidas. De repente, dois marmanjos ursos se viram rodeados de fraldas e mamadeiras, noites sem dormir, choros, pediatras, musiquinhas, chocalhos e tudo o que faz parte da vida de uma criança que acaba de nascer. Mas o ingrediente principal esteve presente desde a hora zero. O amor entre estes dois caras, por quem os vizinhos do prédio não iam muito além de um bom dia, foi e é o combustível para uma aventura dessa dimensão. De repente, os caras do 403 viraram papais e começaram a ganhar sorrisos e cumprimentos no elevador, ganharam também toalhinhas bordadas com o nome da princesinha que eles carregavam para cima e para baixo, as senhoras perguntavam e davam dicas. Todos se interessaram pelo que aqueles dois improváveis tinham acabado de fazer.

Nos restaurantes, éramos conduzidos a melhor mesa, nas filas, nos colocavam primeiro. Era evidente que nosso status social crescera da noite para o dia. É natural, as pessoas veem um bebê gracinha na cadeirinha, com seus olhos negros e seus cabelinhos enrolados antes de olhar para cima e ver dois carecas carregando um necessaire improvável com a camiseta do Pink Floyd e tênis All Star.

Quase nunca, em todos esses anos, posso dizer que me senti vítima de preconceito, digo quase nunca porque justamente aqui em Porto Alegre, um sujeito em um restaurante não gostou que o copo de cerveja tombasse na mesa perto dele... essa foi a desculpa para que ele se levantasse num ímpeto e carregasse toda a família para outra mesma mais afastada "dos viados". Mas foi precisamente nesse momento que nos olhares que troquei com o Alejandro, senti que estávamos armados e prontos para enfrentar sem vacilo, a próxima evidência de discriminação... o sujeito, aparentemente percebeu de canto de olho que os dois carecas crossfitters com a criancinha de 6 anos não pareciam estar muito dispostos a deixar quieta alguma provocação mais evidente, e tratou de se colocar o rabo entre as pernas.

Há quem diga que não foi bem assim, mas nem vem muito ao caso. A gente se garante diante de uma eventual demonstração de preconceito, acho eu, mas como ficam os muitos outros caras e minas, carecas ou cabeludas, ursos ou barbies, sapatas ou softs, bibinhas ou nerds? Existe por aí um número bem grandinho de gays presos em seus armários. Presos porque não conseguem sair, presos porque não conseguem encontrar um caminho de saída para si mesmos, presos porque temem perder aquilo que duramente conquistaram. De fato, não é nada fácil fazer uma aposta desse tamanho, que a partir de amanhã o gay que acaba de sair do armário continuará levando a mesma vida que ele gostava de levar, com direito e cerveja com os amigos, pedal e churrasco no fim de semana e futebol as sextas feiras.

Realmente uma saída do armário precisa de um ingrediente essencial: autoconfiança. E por autoconfiança, entende-se a capacidade de acreditar que é possível reconstruir aquilo que desmoronou quando você menos esperava. Não é tarefa das mais fáceis e não há como discriminar e muito menos hostilizar quem não dispõe de tanta autoconfiança na manga do paletó.

O fato é que a construção dessa autoconfiança depende em primeiro lugar de desconstruir o preconceito contra si mesmo. Para aliviar, eu posso dizer que isso pode ser um processo gradual, ao menos comigo foi assim, pois eu já era gay assumido, mas ainda criticava gays afeminados, na tentativa de ser aceito dentro de um mundo onde bastava cumprir com alguns pre-requisitos de heteronormatividade e "tirar o olho da minha bunda". Hoje tenho vergonha de admitir um comportamento homofóbico enquanto gay, mas seria arrogante de minha parte alegar que saltei para o topo da evolução social da noite para o dia, especialmente considerando que ainda estou raspando nas faldas dessa montanha.

Mas... o que é fácil para uns, pode ser muito difícil para outros.

Um Guia Gay para Amigos Héteros (e gays também) - Parte 2

Este artigo é continuação deste artigo aqui.

Como já comentei anteriormente, não sou psicólogo, antropólogo ou sociólogo, muito menos sexólogo. Mas de fato me interesso por assuntos que têm relação com o fato de eu mesmo ser gay, assumido e ainda pai de família. Talvez justamente por eu ser tão resolvido quanto a minha condição, sinta-me imbuído de uma espécie de dever de contribuir de alguma forma com um material que possa servir de orientação ou inspiração para pessoas que passam por processos semelhantes aos que enfrentei e que ainda sofrem ou encontram dificuldade para lidar com todas as complexidades que tudo isto envolve.

Sair do armário

Assumir a homossexualidade pode ser uma coisa tranquila, que a partir de uma simples constatação, passa a valer, ou pode ser um processo que toma a vida inteira da pessoa sem nunca se consumar. Tudo depende de autoaceitação. Aceitar quem você é, é o passo essencial e isso depende de como você construiu sua opinião sobre a sexualidade.

Lembro-me da primeira vez que fui a uma balada gay (na época a palavra era boate). Eu tinha 18 anos e um professor (querido Geraldo) me levou. Confesso que estava assustadíssimo, afinal o que será que eu ia encontrar naquele "antro"? O fato é que foi um alívio inexplicável descobrir que todos aqueles caras dançando e se divertindo, comportavam-se e vestiam-se como eu, ou seja, o mais casual possível. Com raríssimas exceções, todos ali poderiam ser qualquer um desde o seu Manuel da padaria, passando pelo borracheiro Zé e indo até o diretor industrial da empresa.
Ora, então eu não precisaria sair por aí de vestidinho vermelho? Ufa! Que alívio! Imaginem o que significou para um rapaz de 18 anos que achava que todos gays eram super afeminados e se depara com uma surpresa dessas... Posteriormente compreendi que (chutando um número) de cada 10 gays, 1 dá pinta, os outros 9 ninguém nem imagina. Com o tempo cheguei a proferir a reprovável frase: "Gay sim, bicha não..."... só mais recentemente que deixei de ser um gay preconceituoso e passei a aceitar a presença de pessoas afeminadas sem torcer a sobrancelha. Veja só... não é tão difícil assim, é só uma questão de respeitar as pessoas como elas são. Hoje sei muito bem que daqueles 9 que comentei na linha anterior e que ninguém imagina, pelo menos 3 estão fazendo um esforço tremendo para conter seu comportamento afeminado, o que é uma triste e lamentável constatação.

Algumas pessoas apenas toleram gays que se comportam dentro da heteronormatividade, e reagem violentamente quando algum movimento mais delicado aparece. Isso é aceitação? Acho que não, pois aceitar o invisível é muito fácil, qualquer pessoa consegue fazer isso. Aceitar a diversidade como realidade é outra história. Vejo algumas pessoas criticando Pablo Vittar, por exemplo. "Afinal ele é o quê?" algumas perguntam. A resposta é Pablo é uma pessoa. Você não é uma pessoa também? Você não considera essencial ser respeitado pelo que você é? Pois é, Pablo também. Pablo está influenciando as crianças e tornarem-se gays? Acho que não, gays saem do forno prontos, assim como não gays vêm para o mundo como tal. Seu filho resolveu brincar de boneca vestido de princesa depois de ver o Pablo dançando? Tudo bem, a criança está se descobrindo, deixe-a experimentar e viver sua fantasia, pois daqui a pouco tudo o que é fantasia nesse seu lindo filho irá morrer e ele será um adulto sem graça, com calça de tergal e gravata como qualquer um de nós.

Sair do armário significa encarar a realidade de frente e colocar-se como pessoa, acima daquilo que o momento e o lugar em que vivemos, considera como socialmente aceitável. A explicação simples pode esbarrar em complexidades enormes, já que existem lugares no mundo atual onde homossexualidade ainda é chamada de homossexualismo, como se fosse uma escolha prática e ainda é considerado crime, inclusive punível com a morte. No mínimo, muita gente já foi expulsa de casa pelos próprios pais, ou perdeu o emprego ou terminou sendo vítima de violência. O Brasil não é um exemplo de tolerância, ao contrário, vivemos um país que tem uma das mais altas taxas de crimes cometidos contra homossexuais exclusivamente devido ao fato de apenas o serem.

Homofobia

A homofobia pode ser definida com uma frase que normalmente está dentro da cabeça do homofóbico e motiva suas ações: "Como ele se atreve a ser aquilo que eu me esforço para não ser?"

Essa aparente contradição motiva qualquer ação violenta contra o homossexual, seja violência verbal, física ou social, como impedir alguém de entrar num clube ou perder o emprego por conta disso. É triste e lamentável o comportamento homofóbico, já que o homossexual é uma pessoa como qualquer outra. Então agredir, insultar ou praticar maldades contra gays é um comportamento horroroso mesmo. Espero que torne-se crime, como já é em vários países do mundo.

Mas aparentemente existe alguma motivação mais específica por trás do comportamento homofóbico. Eu tenho notado que assim como para algumas pessoas, o fato de eu ser gay é completamente irrelevante, em outras parece haver uma espécie de fascínio. De fato, algumas pessoas parecem se interessar pelo tema mais do que outras, qual seu caso?

O que será que existe por trás disso? Na minha forma de ver, gays vivem suas vidas de diferentes formas. Existem aqueles que são tranquilos com sua sexualidade e levam sua vida numa boa fora do armário. Existem aqueles que estão no armário, talvez por uma soma de fatores psicossociais mas levam uma vida de mini-fugas para saunas e escurinhos, voltando para o armário logo depois. Alguns deles casaram-se cedo, constituíram família e só depois compreenderam sua sexualidade mais profundamente. Algumas delas são apenas bissexuais que eventualmente se interessariam por transar com pessoas do mesmo sexo, mas como estão tranquilas em seus casamentos e suas famílias, não há muito com que se preocupar. Eventualmente, quando se aproximam de pessoas gays, sentem-se mais fascinadas por elas e tentam descobrir como poderiam ter sido suas vidas, ao constatar que é perfeitamente possível viver feliz independentemente da sexualidade, basta abrir a porta do armário.

Finalmente existem aqueles gays que se odeiam. Famílias machistas têm uma parcela de culpa na construção um processo de autorrejeição, mas mentes fracas e mal informadas também pouco fazem ou conseguem fazer para se aceitar, talvez por não conseguirem enxergar a sexualidade como algo normal. A influência da igreja pode ser muito negativa nessa hora, já que toda a construção da igreja vem de épocas em que a sexualidade era violentamente reprimida.
Enfim, estamos diante de um triste quadro, pois quando essas pessoas se deparam com gays fora do armário, um alarme toca em suas cabeças dizendo "Olha, como esse viado se atreve ser tão feliz enquanto eu sou tão fudido? Vai lá e quebra a cara da bicha!"

Então aí está, a homofobia é muito provavelmente a válvula de escape do gay preso num armário muito dolorido.

Identidade de gênero

Imagem relacionadaTotalmente diferente da orientação sexual, a identidade de gênero é tão simples quanto diz o nome, é o gênero com o qual a pessoa se identifica, se reconhece. Isso é simples de entender, mas para muita gente, ainda muito difícil de aceitar. Ops! Quem disse que é preciso aceitar? Basta respeitar.

Então de uma hora para outra João decide que quer ser Maria e vice versa? Bem, querido leitor. Esta "decisão" não é exatamente tão simples assim. A percepção da identidade sexual de uma pessoa é na maioria das vezes, um processo extremamente complexo e doloroso inclusive. Suponho que não existe maneira mais eficiente de tentar compreender, do que a empatia, ou seja, tentar se imaginar no lugar de uma pessoa que gradualmente, ao longo da infância ou da adolescência, olha no espelho e cada vez mais, tem que encarar a ideia irreversível de que de fato aquela pessoa que ele ou ela está vendo, é de fato de outro sexo. Externamente, tudo afirma e aponta numa direção, mas dentro da pessoa, a sensação é de estar no corpo errado. Perceba que a mera ideia de imaginar-se em uma situação assim, já é assustadora, imagine então ter de lidar com isso como fato consumado.

Não há a menor dúvida que uma pessoa trans passa por um sofrimento enorme e muitas dessas pessoas não irão suportar o sequer sobreviver a este sofrimento. Então some a esta situação singular, uma sociedade machista não só incapaz de respeitar, mas capaz de atos de violência contra essas pessoas e você tem uma fórmula absolutamente assustadora.

Acho que uma pessoa trans que conseguiu superar tudo o que o processo lhe impõe como obstáculo é dotada de uma coragem inquestionavelmente gigante. É preciso muita autoconfiança para vencer e não há dúvida que os que conseguiram, são verdadeiros vencedores e vencedoras.

Então, o fato é que existem meninos que se reconhecem como meninas e vice versa, entretanto não se pode deixar de atentar para um detalhe essencial: A identidade sexual não possui uma relação direta com a sexualidade. O que quer dizer isso? Veja só, um rapaz pode se identificar e sentir-se mulher, mas se ele vai querer ou gostar de transar com mulheres ou homens, isso é uma outra questão que não tem relação com a primeira. Identidade sexual é o sexo que a pessoa sente que pertence, ou seja, o que ela é. Sexualidade ou preferência sexual é o sexo que a pessoa faz.
É possível ser uma mulher trans (que nasceu com um corpo de homem) que transa homens ou que transa mulheres e vice-versa.

Se o processo de identificação sexual já é uma complexidade em si, imagine então quando a pessoa toma a decisão derradeira de transformar sua aparência no outro sexo, esta pessoa costuma dizer-se Trans. Existem homens e mulheres trans. A cartunista Laerte, por exemplo, nasceu homem, viveu mais de 50 anos como tal e só recentemente assumiu sua transexualidade. Laerte é uma pessoa trans. Thammy Miranda, que é o filho da atriz Gretchen, nasceu mulher, sente-se identificado com uma aparência masculina, Thammy é homem trans. Usei exemplos de pessoas famosas para evocar suas imagens mais facilmente. De fato, você encontrará infindáveis possibilidades de combinações de sexualidades e identidades e cabe a você respeitar que o desejo de cada um deve ser soberano a qualquer padrão pré-estabelecido.

Claro que as perguntas emergem, muita gente alega que quem nasceu homem, será homem para sempre, entretanto não podemos nos esquecer que o corpo difere da mente. Existem homens que se sentem felizes voando de parapente, ao passo que existem homens que não podem sequer imaginar a possibilidade de se afastar do chão. Nenhum dos dois é mais ou menos homem, pois o que está entre as pernas não tem relação direta com o que está dentre da cabeça. É muito complicado e inimaginável para quem tem terror de altura, sair por aí voando, assim como é também quase impossível para quem está feliz com sua identidade sexual, imaginar-se em outra.

Como comentei anteriormente, esta é uma excelente oportunidade para um exercício de empatia, que consiste em tentar se colocar no lugar da outra pessoa. Se para você, isto é completamente impossível ou inaceitável, das duas uma, ou você simplesmente não consegue se colocar no lugar de outra pessoa, ou seus conceitos mais básicos de liberdade individual necessitam urgentemente de uma revisão.

Respeito

Acho que a base de tudo é o respeito pelas pessoas, independentemente de como elas fazem para gozar.
Todas as pessoas são iguais e todas devem ter os mesmos direitos. Casar, ter família, ir ao parque, à praia, à escola, ao cinema, viajar, enfim... viver.
Gastar energia fiscalizando o cu dos outros é no mínimo doentio para dizer o mínimo. Então, se a homossexualidade é tão fascinante para você, procure descobrir o que está por trás, pesquise, pergunte, informe-se; mas, acima de tudo, respeite.

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Assista sem medo, são bons, alguns maravilhosos filmes sobre o assunto:


  • Hoje eu quero voltar para casa sozinho
  • O segredo de Brokeback Mountain
  • Tomboy
  • Tudo sobre minha mãe
  • A garota dinamarquesa
  • Laerte-se
  • Clube de compras Dallas
  • Meninos não choram
  • Flawless (ninguém é perfeito)
  • Direito de amar
  • Transamerica
  • Minhas mães e meu pai
  • Plata quemada
  • Cazuza
  • Queda livre
  • Priscila a rainha do deserto


E séries também:

  • Six feet under
  • Transparent
  • Will e Grace
  • Modern Family
  • Orange is the new black
  • Sense 8
  • Grace and Frankie
  • Spartacus


E por aí vai. Não esqueça de contar para seus amigos(as)

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Pedofilia

Que merda ter de escrever sobre isso aqui, como se fosse mais um item da lista, mas a cabeça das pessoas as vezes é tão confusa que é preciso simular alguma normalidade para poder começar a falar sobre determinado assunto, e considerando a gravidade deste, não posso simplesmente ignora-lo. Então vamos lá.

Apesar de não ter absolutamente nenhuma relação com a sexualidade, já que pedofilia é uma doença psicológica que consiste na atração sexual por crianças, que pode ser por este ou aquele sexo, muita gente ainda infelizmente insiste em associar este triste e lamentável transtorno psicológico à homossexualidade. De fato não tem nada a ver uma coisa com a outra e muito menos que o fato de a pessoa ser homossexual implique em qualquer possibilidade de ela querer ter sexo com crianças. Na verdade a homofobia é o motor que impulsiona algumas mentes a associar as duas coisas numa tentativa de patologizar a homossexualidade.
A ideia é um triste disparate e transpira seu recheio de preconceito contra os homossexuais.

De qualquer forma, aquela pessoa que desgraçadamente infeliz, se descobre pedófilo deve agir com urgência para controlar sua doença, tratando-se e fazendo acompanhamento psicológico constante para garantir que apesar dos sintomas de sua doença serem reais e levarem-no naquela direção, ele tem de se garantir que não cometerá o crime. Existem inclusive grupos de pedófilos anônimos que suponho, são frequentados por pessoas que convivem com o transtorno e lutam bravamente para mantê-lo sob controle.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Uma proposta irrecusável



"Dar-te-ei o que queres, mas pagarás o preço justo, indubitavelmente!!"


Contou-me um amigo que a cobiça é uma coisa terrível, pois ele mesmo que se acreditava vacinado contra os males desta vilã do velho testamento, viu-se enredado por suas pegajosas teias quando menos esperava.


Conta o eloquente parceiro, que diante dos desejos incontroláveis de alargar a vastidão de sua propriedade, apresentou ao proprietário do terreno ao lado de sua casa, uma modesta e calculada proposta de R$15.000,00 para compra do referido.

Este por sua vez torceu o nariz insultado e alegou que por menos de vinte, sequer tiraria as pantufas dos pés.


- Ah, o tempo irá passa e ele mudará de ideia, e virá desconsolado bater à minha porta, basta esperar. Pensou este meu amigo.

E assim o tempo se fez acontecer e numa raiosa manhã de domingo, eis que soa-lhe o sino indicando visita à porta.

Nem bem se abre o umbral, e se desvela vigorosa e opulenta mulher que de olhos semicerrados, mede-o da cabeça aos pés enquanto lança olhares por cima dos ombros em busca de novos alvos para seu excrutínio.


- Bom dia, meu nome é Florisbela de-Chartre, sou a nova proprietária do terreno ao lado, podemos ter um minuto de mútuo confábulo?

Fascinado e curioso, meu amigo a conduziu para dentro de seus domínios, já que quem em seus domínios está, sob seus poderes também estará, bem, era o que ele acreditava até então...

Ela por sua vez, deslizava quase que magicamente pelo gramado enquanto seus olhos percorriam tudo ao redor.


- Sua esposa esta simpática senhora? Disparou.

- Oh, ho ho ho... minha mãe... Enquanto aquela exibia o sorriso triunfante de quem rejuvenescera trinta anos em dois segundos.

- Ah, verdade? E como seu filho a mantém prisioneira neste fim de mundo, adorável senhora?

Sem permitir-lhe tempo hábil para uma resposta a altura, ela disparou a queima-roupa:

- Sabe este terreno aqui ao lado? Agora ele me pertence e vim vendê-lo ao senhor, por R$30.000,00, já que por ele eu paguei justos vinte mil sendo que pretendo lucrar dez mil com o fechamento da escritura que o senhor está para assinar.

Meu amigo sorriu maliciosamente enquanto escondia o espanto diante de tamanha cara de pau e soltou:

- E o que a faz acreditar que eu, por ventura teria algum tipo de interesse na compra deste pântano inútil, adorável senhora?

- Ah, eu lhe explico, seu vizinho, me confessou que o senhor lhe oferecera quinze mil, e que ele não aceitaria menos de 20. Paguei-lhe então os vinte e aqui está a escritura para que o senhor a assine logo após assinar o cheque de trinta com o qual comprarei uma viagem de volta ao mundo.

- Confesso que na ocasião, manifestei um leve interesse, mas isso foi em outros tempos, não o desejo mais....

- Que pena, nesse caso terei de prosseguir com meu projeto de construção e abertura de um clube de funk no local, sabe como é isso não? Os funkeiros são um pouco barulhentos, urinam em sua calçada, brigam na rua, bloqueiam sua garagem, atiram objetos por cima do muro... isso sem contar no gosto duvidoso do referido gênero musical que só encontra par entre as mais questionáveis parcelas da sociedade além do consumo desenfreado de substâncias entorpecentes que costumam vir acompanhadas de seus comerciantes pouco profissionais.





Sua percepção lhe apresentara invariavelmente a parede dura de um beco sem saída... então meu amigo secou a gota de suor que lhe começara a descer pela sobrancelha direita fazendo-lhe arder o olho e dirigiu-se à dona Florisbela dizendo:

- ME DÁ AQUI ESSE MALDITO CONTRATO! ONDE É QUE EU ASSINO?


#negociosimobiliarios #propostairrecusavel

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Um Guia Gay para Amigos Héteros (e gays também) - Parte 1

Um Guia Gay para Amigos Héteros (e gays também) - Parte 1

Tenho muitos amigos, eleitos ao longo de meus agora cinquenta e três anos de vida. Muitos são heterossexuais, muitos parecem ser heterossexuais, alguns parecem gays mas dizem que não são, alguns são claramente gays e nem imaginam e outros são declaradamente gays. Digo isso porque já passei por algumas dessas fases e só lá pelo meu 18º aniversário é que comecei a juntar as peças para começar a entender melhor afinal qual era minha sexualidade. Esse processo se consolidou quando eu tinha cerca de 23 anos e aí ficou claro que eu de fato preferia os meninos, embora as meninas continuassem ainda tendo algo de interessante, talvez mais pelo meu interesse em admirar as coisas belas.

Introdução

Antes de ir ao assunto, gostaria de lembrar que não sou especialista em nenhum desses assuntos, não sou antropólogo, nem psicólogo ou sexólogo e muito menos cientista político. Não escrevo aqui desejoso de impor minhas ideias, mas sim apenas dividi-las com vocês, afinal estas ideias se baseiam apenas na minha experiência de vida e na satisfação que sinto em observar e refletir sobre o comportamento das pessoas ao meu redor.

O ser humano é pura diversidade, nossa inteligência nos capacita a definir quem somos. Ter liberdade para decidir isso é um direito que considero essencial, afinal uma pessoa tem o direito de ser quem e o que ela desejar ser. Este direito está acima do contexto moral e cultural das sociedades, estes são relativos ao espaço e ao tempo, o que faz de algo inaceitável em uma parte do mundo, perfeitamente plausível em outra, assim como algo que foi tido como razoável, tornou-se abominável com o passar dos anos e vice-versa. De fato as ideias de moralidade e muito do que é certo ou do que é errado vem com uma carga de interpretações que variam de acordo com a "seita" que as pessoas acharam por bem, permitir que regesse suas vidas.

Basta lembrar que comercializar e ter seus próprios escravos era não apenas normal, como "indispensável" em várias sociedades do mundo, inclusive no Brasil até pouco tempo atrás. Atirar homossexuais de cima de prédios ainda hoje é aceitável pelo EI e a seus hipnotizados seguidores. Durante a segunda guerra mundial, assassinar judeus foi considerado uma solução para "o problema que eles representavam" como acreditava o regime nazista. Na mesma época, uma criança com síndrome de Down ou qualquer outra deficiência, poderia ser morta ou entregue em um orfanato, pois ela representava no mínimo, além de um incômodo, uma vergonha para qualquer família "respeitável", afinal até a década de 50, o nascimento de uma criança deficiente era basicamente culpa da mãe que era provavelmente uma devassa.

Algumas pessoas alegam que hoje existe uma "invasão gay", alegando que antigamente essas coisas não eram assim. Estou certo de que no antigamente as pessoas homossexuais mantinham-se no armário, por mais que isso provocasse seu sofrimento, uma vez que o comportamento que saísse da heteronormatividade poderia significar o fim de sua vida. Eu mencionei a palavra "Heteronormatividade". Esta palavra descreve as situações nas quais um comportamento diferente do heterossexual passa a ser marginalizado, ignorado ou perseguido. Não é uma delícia? Cuspa no chão, coce o saco, arrote, vista a camisa do avesso, e aproveite para dar um tapa na orelha na namorada e você estará em dia com os preceitos da heteronormatividade, além de não correr o risco de tomar porrada na Paulista quando resolver dar uma volta com seu short curto.

Classificações e rótulos

De fato, acho que qualquer tentativa de classificar ou rotular será sempre malsucedida. O problema é que as pessoas sentem-se mais seguras quando podem definir categorias para o que está ao seu redor, é a ânsia de inventariar, classificar e rotular para conseguir tornar mais previsível o que está por vir dá a nossa vida, um grau a mais de segurança.

Como é descobrir-se gay

Resultado de imagem para picole de mangaImagina essa cena: você foi feliz chupando sorvete de manga durante a vida toda, saía para comprar sorvete de manga com os amigos, conversava sobre sorvete de manga e até usava camiseta amarela da cor de sorvete de manga. Andava de bike, praticava esportes, ia para a balada, enfim... você era uma "pessoa normal". Então um dia, um amigo que você nunca imaginou, oferece pra você um sorvete de morango. Você fica nervoso, já tinha reparado que existia sorvete de morango, mas na balada da adolescência, você andou com a galera e pegou o sorvete de manga, fato é que você nunca tinha experimentado sorvete de morango na vida. Mas você gosta bastante de seu amigo e numa mistura de curiosidade e interesse inconsciente, experimenta o tal sorvete de morango. Seus olhos se fecham para sentir melhor o sabor, seu coração começa a saltar no peito enquanto um uníssono de orquestra ecoa em seus ouvidos, soam as trombetas, fogos de artifício, chuva de serpentina e finalmente você descobre que aquilo sim é que é sorvete. Putaquepariu, que sorvete gostoso, e eu que tinha chupado manga a vida inteira e nunca tinha me dado conta que morango é muito melhor?! Ah váááá pa..!

Puxa vida, o de manga até que era gostosinho, mas na real... sorvete mesmo tem que ser de morango. Você olha pra cara de seu amigo e ele parece um morango com olhos.
E agora? Você sai para uma vida paralela? Separa-se de seus amigos? Joga fora suas camisetas amarelas e troca tudo por cor de moranguinho? Desiste do surf, do parapente, da escalada, da cultura nerd, da bike, do futebol e tudo mais que você fazia até então e vai correndo pra Marquês de Sapucaí tentar o miss carnaval? Também existe a opção de você tentar se afastar de qualquer elemento que te exponha a sua realidade interior. Então se um casal de meninas passar de mãos dadas na sua frente ou se dois rapazes decidirem se beijar, você pode gritar com eles a quem sabe até dar umas porradas, afinal, vai que dá um revertério na sua cabeça e a vontade de chupar sorvete de morango volta?

Aceitação

Os caminhos são muitos e ainda por cima, entre o sorvete de manga e o de morango, existem vários sabores, cada um deles com sua particularidade e sua atratividade. A questão está relacionada apenas um elemento: Aceitação. Pessoalmente, nunca fui fanático por coisa alguma, sempre fui meio generalista, sabendo um pouco de vários assuntos. Fui de vendedor de relógios a motorista de caminhão, de vendedor de kit gás a diretor de criação, passando por professor de inglês, instrutor de parapente e até escrevi um livro e plantei uma árvore. Encontrei meu companheiro de vida aos 36 anos, me casei e tive uma filha linda que amamos e curtimos a cada segundo.

Hoje, com 53 anos, sinto-me muito tranquilo e relaxado a respeito de minha vida pessoal e também sexual. Não consigo enxergar algo que de fato faça de mim, exceto pelo sorvete que eu gosto, diferente de qualquer chupador de sorvete de manga por aí.

Mas, o que para mim parece claro e simples, pode ser sinistramente complexo para muita gente e é por isso que escrevo este "Guia Gay" para tentar ao menos dar uma mãozinha para deleite geral da nação e é claro, para quem lá no fundo ainda acha que sorvete de morango é coisa do demônio ou de doido, ou de gente de quem é melhor manter distância.

Opção sexual ou orientação sexual?

Resultado de imagem para menino brincando de bonecaVou começar pela expressão que me inspirou a escrever este texto. Gente, de uma vez por todas, não existe "opção sexual", o termo certo é "orientação sexual". Eu explico. Ninguém decide tornar-se gay e muito menos consegue influenciar alguém para que esta pessoa se torne gay. Então, brincar de boneca, vestir rosa ou colocar um vestido não "transforma" nenhum menino em gay, da mesma forma que meninas podem ter o direito de rodar pião, empinar pipa ou trepar em muros, inclusive vestindo azul. Pode ficar tranquilo, papai. Por isso, se alguma mente maligna um dia planejou converter crianças em gays dando a elas a tal mamadeira de piroca (e me contem qual seria a finalidade desse plano estrambótico, porque não consigo vislumbrar o que ganharíamos com um jardim de infância inteiro convertido em sauna gay lotada), lamento informar que não vai dar certo. Inclusive uma professora disse outro dia: Se eu não consigo convencer um moleque a sentar na bendita cadeira da sala de aula, como é que acham que vou convencê-lo a sentar numa rola? Amei.

Não é opção, é fato

É preciso compreender que a sexualidade não é uma escolha, ela faz parte da pessoa desde o dia em que ela nasce. Ninguém decide virar gay, a pessoa nasce preferindo mais ou menos estar com pessoas do mesmo sexo, inclusive são inúmeras possibilidades que vão de um extremo até o outro. Existem então pessoas que se relacionam exclusivamente com pessoas de outro sexo assim como pessoas que se relacionam exclusivamente com pessoas do mesmo sexo e todas as graduações possíveis entre os dois lados. É claro que uma coisa é aquilo que está dentro de seu inconsciente e outra é aquilo que você pratica no seu dia a dia, sendo assim, o planeta está cheio de gente que se casou com alguém do outro sexo, se relaciona com o cônjuge, mas no fundo, no fundo, bem lá no fundo... ficaria muito mais satisfeito se fosse alguém do mesmo sexo e por aí vai.

A decisão de viver na prática sua orientação sexual, invariavelmente sofre influência cultural que pode vir da família, do trabalho, da escola, dos amigos. Alguém como eu, por exemplo, que foi criado em família tradicional e aprendeu a cultivar preconceito contra homossexuais passa por grandes dificuldades em compreender sua própria sexualidade, já que justamente aquilo que você mais quer ser, é precisamente aquilo que as pessoas lhe disseram que é feio e proibido. De qualquer forma, nunca existiu aquele momento em minha vida em que eu pensei em opção. Ao contrário, foi sim uma descoberta, uma constatação pura, simples e irrevogável.
É como quando você vira a esquina e vê um cachorro. Ele está lá, não há nada para optar, apenas reconhecer que lá está o cão. é preciso então decidir o que fazer, se você desvia, sai correndo, enfrenta o bicho na porrada ou tenta se aproximar com um gesto carinhoso. O que é que você vai fazer?
Da minha parte, sou um privilegiado, pois minha família sempre me deu claros sinais de compreensão e respeito. Não deve ter sido nada fácil para meu pai que foi criado em um ambiente machista, ficar sabendo que o filho é gay. Lembro-me da pergunta: "mas... não tem cura?"... e a resposta: Fica tranquilo pai, seu filho não está doente, nada vai mudar e eu continuarei sendo o mesmo de sempre para sempre.
Com minha mãe, foi mais peculiar: "Ai meu filho, e agora você não vai ficar saindo por aí a noite?" e a resposta: Mãe, eu sempre saí a noite...

De qualquer forma por mais que o meio social possa de uma maneira ou de outra, abominar a homossexualidade, isto não irá mudar o curso do desenvolvimento da sexualidade de uma pessoa, o que significa que não existe forma de um gay deixar de sê-lo. Qualquer tentativa nesse sentido, poderá sim transformar a vida de sua linda menina que quer usar coturnos e namorar meninas em um tormento infernal, inclusive levando-a à destruição. A verdade é que você não precisa entender sua filha ou seu filho, basta respeitá-la(o).

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Reencontrando amigos do Samiar

Foi só uma nota no Messenger do Facebook, daquelas que normalmente você ignora, afinal, quem usa Facebook hoje em dia? As redes sociais vão ...