Sol e seus caracóis... |
Cada vez minha filha, que à noite antes de dormir, você me pede para cantar "Debaixo dos Caracóis", confesso que reluto, mas sucumbo. Resisto, mas obedeço.
Apesar da letra de Roberto e Erasmo, ter sido uma homenagem feita à Caetano Veloso, que amargava o exílio durante a ditadura no Brasil e imaginava o dia em que ele voltaria para o Brasil, em mim aquelas palavras geram um efeito inverso. Elas me apertam o coração, quando ao navegar por essa melodia, enxergo um convite à ruptura. Na minha realidade, o exílio é aqui e para mim, a letra conta que chegará o dia em que você poderá querer me deixar, ir embora, deixar meus braços, meus beijos, meus carinhos e “voltar pra sua gente”. Mas que gente será essa?
Os versos me sangram o peito, dizem que você olha tudo o que está ao seu redor, e nada lhe faz ficar contente... que agora, você só deseja “voltar pra sua gente”. São versos doloridos, mas se me torturo com as palavras que te puxam para longe de mim, me esforço para caprichar na beleza da melodia tão linda que Roberto criou. Derramo meu amor pelas notas e viajo em verdades que podem estar enroladas naquelas palavras, debaixo desses caracóis de seus cabelos.
Então dou um pigarrinho e começo a cantar: Um dia a areia branca, seus pés irão tocar... Seus bracinhos me apertam enquanto cantarolo as primeiras linhas. No verso seguinte, você aproveita a carona, salta para dentro do meu ritmo e num uníssono, canta comigo enquanto me aperta a mão e deita o macio de seu rosto em minha perna. Me oferece seus caracóis e eu vou cantando...
E diz a letra, que a água azul do mar vai molhar seus cabelos. Canto aquelas notas, resignado. Aquelas promessas não são páreo para a quarentena do coronavirus. Confinada em casa, aposto que você iria preferir tocar areias brancas, ver janelas e portas se abrindo. Então me esforço para que você se sinta em casa, e vou cantando e passeando meus dedos pelos caracóis de seus cabelos.
Sorrio e choro imaginando esse tal mundo tão distante. Que mundo será esse que te traz essa vontade contida? O que poderá entristecer seu olhar quando você andar pela tarde, sentir vontade, sentir saudade, sonhar. Você que tem todas essas luzes e esse colorido ao seu redor, aqui na casa onde mora.
A música me dói cantar, mas você está aqui, me abraça e canta junto. Meus dedos ainda viajam pelos caracóis de seus cabelos. Quero ficar aqui mais um instante cantando para você dormir. Me pré-ocupo de uma saudade que um dia sei que vou sentir.
Sei que vai chegar um dia em que você irá embora de verdade, você vai crescer, vai correr mundo, conhecer gente, lugares, ventos e mares, ideias e sensações. E eu vou ficar em casa te esperando até que então, vou ver você chegando num sorriso. Então levanto e corro abrir portas e janelas, olho para fora e vejo você com seus pés descalços, pisando a areia branca. Você voltou, porque consegui fazer desse lugar, seu paraíso.
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Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos
Roberto e Erasmo Carlos
Um dia a areia branca
Teus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
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