sexta-feira, 14 de junho de 2024

Arrogância do bem também faz mal


Ao longo de minha vida como não-analista, relacionei-me com um infindável número de pessoas. Uma importante parte desse número foi feita principalmente de alunos, vários colegas de empresa que ocupavam cargos inferiores ao meu, além de amigos e parentes com quem muitas vezes terminei adotando um posicionamento paternal em algum grau de intensidade. 

Em todas essas ocasiões, o arsenal teórico e prático de conhecimento que eu detinha sobre os assuntos pertinentes às circunstâncias nas quais eu estava me relacionando com aquelas pessoas, funcionou como uma referência, um elemento validador de minha dita autoridade perante elas. Aquilo que eu sabia, que minha experiência ou estudo tinha me ensinado, ratificava e dava suporte à minha retórica e isso consequente e invariavelmente funcionava como um gerador de segurança e confiança onde eu me apoiava para agir diante daquelas pessoas. 

As intenções eram as melhores: ajudar, orientar, treinar, corrigir, preparar, enfim criar um caminho para que o aprendizado, ou melhor dizendo, a funcionalidade daquelas pessoas pudesse ser atingida com menos percalços e maiores garantias de sucesso. 

Essa trajetória se mostrou eficaz, em minhas outras atividades como professor, empresário, instrutor, orientador ou simples conselheiro, obtive reconhecimento, respeito e gratidão.

Quando minha vida é brindada com o projeto da psicanálise, adianto-me a tentar construir um arsenal de conhecimento semelhante, seja pela carga teórica proporcionada nos estudos, nas orientações técnicas obtidas nos grupos de estudo e de supervisão e é claro, pela experiência obtida no atendimento supervisionado.

Então algo acontece: diante do analisante, percebi que aquele elemento validador de autoridade que me proporciona aquela confortável segurança dos tempos outros pode se tornar um sério problema, que não só pode prejudicar o exercício do papel do analista, como arruiná-lo completamente.

Estou aprendendo que na metáfora de despir-se de si mesmo à porta do consultório, revela-se condição essencial para garantir que meus desejos e memórias fiquem do lado de fora da sessão. Há um texto de Lou Andreas-Salomé que diz "Ao conduzir uma análise, é preciso lançar um facho de intensa escuridão de forma que algo que até então estivesse obscurecido pelo brilho da iluminação possa cintilar ainda mais na escuridão". Esse fragmento sintetiza uma ideia da importância de criar um espaço receptivo, uma "continente" capaz de receber o "conteúdo" das fragilidades do inconsciente do analisante.

O recorte trazido por uma professora de ioga, de alguma forma ilustra a ideia. Ela escuta a campainha e pelo interfone vem uma voz distorcida dizendo algo sobre “ver a luz”. “Pronto, tenho um novo aluno”, pensa ela… “não dona, eu sou da Enel”...

É, é bem difícil não carregar nossa história para dentro do consultório, seguimos tentando.



Silvio Ambrosini

 

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