domingo, 20 de setembro de 2009

A praça Chico Candeias

Quando meu avô Chico Candeias adoeceu gravemente nos idos de 1976, ele tinha 53 anos e eu tinha só onze anos e não tinha ainda a maturidade para entender a falta que o vô Chico iria me fazer. Os depoimentos da família anos mais tarde me confirmam que ele morreu de uma doença chamada teimosia, por teimar em não administrar seu diabetes como devia.
A fila do enterro tinha cerca de dois quilômetros tomando quase metade da Paes de Barros, incrível a quantidade de admiradores que aquele velho carraspana tinha.

O vô chico é Francisco Guerreiro Candeias, cidadão português, vindo para o Brasil quase bebê, foi um grande entalhador, recebeu um prêmio na primeira bienal de São Paulo pela sua incrível sala de jantar com um jardim de rosas entalhadas. Provavelmente de sua técnica saiu a semente primordial para que minha mãe, Alice Candeias Ambrosini, se tornasse uma especialista na pintura dessa linda flor. É um trabalho dele, por exemplo, o entalhe do brasão das armas nacionais que está a frente do oratório do presidente da república em Brasília.
O vô Chico era motoqueiro, saia com seus amigos em turmas e desaparecia pelas baladas da madrugada deixando minha avó Lica sem saber sequer por onde ele andava, mas ele amava sua família e trouxe três lindas filhas ao mundo, minha mãe Alice, a tia Clarice e a tia Marilice.
O vô Chico era encrenqueiro, atirou uma máquina de somar contra a cabeça de um fiscal que veio fazer uma inspeção de rotina na empresa que ele trabalhava com meu pai quando eu era apenas um pirralho.
O vô Chico era baderneiro, convidou um montão de amigos para uma "coelhada" e levantou a pele do gato morto que tinha servido de ingrediente principal para o almoço... perdeu muitos amigos, mas antes perder um amigo do que perder a piada.
O vô Chico era surpreendente, uma vez comigo no carro, xingou um motorista, se arrependeu e deu meia volta até alcançá-lo com um pedido de desculpas.
O vô Chico tinha seus métodos educacionais duvidosos, me fez ver um cadáver prensado entre as ferragens de um carro que batera na estrada de Peruibe-Miracatu, nunca esquecerei a cena do velho morto de boca aberta espremido no volante de um fusca detonado, eu tinha cinco anos, apesar do choque creio que isso tenha me preparado melhor para enfrentar situações assustadoras como aquela.
O vô Chico me levava pescar siri no mar pequeno com uma caixa de metal que aprisionava os bichos vivos, nunca esqueço quando trocou a ordem dos fatores na hora de cozinhar e jogou os bichos na água fria primeiro... na medida que começou a ferver eles pularam da panela e sairam passeando pela cozinha provocando um verdadeiro auê com o povo gritando e os siris atancando quem se aproximasse.
O vô Chico me trazia caixas de chocolate "Crema", meu preferido... (foi substituido pelo Lolo mais tarde).

O carinho de meu avô ficará para sempre em minha mente, especialmente agora que graças a ele, tornei-me cidadão português.
No percurso de casa até o trabalho, passo pela praça Chico Candeias, uma linda homenagem e esse homem tão controverso. Parei o carro e fiz essas fotos para que você que ainda não a conhece, dê uma passada por lá qualquer hora.
A praça fica aqui, dá uma olhada no Google Maps, fica encostada na casa da tia Marilice. Ocupa o espaço de um antigo grupo escolar e um depósito da prefeitura, que por sinal é onde passei uma boa parte da infância brincando entre tratores abandonados.

Ok, a praça também tem história. Minha avó percorreu toda a vizinhança nos últimos dias de vida em busca de assinaturas para transformar o lugar em praça.
A praça não teria sido possível sem a intervenção de minha querida tia Marilice e da minha avó Angelina, mas há um artista na região que criou várias obras em concreto e cuida das plantas regularmente, colocando placas com nomes das árvores, podando e reparando o jardim. Sua atitude de cidadão é algo admirável, repare que ele não assina suas obras atribuindo um caráter filantrópico ao trabalho. Confira nas fotos que bacana.





 


 
 
 

Um comentário:

Melissa disse...

Si...
fotos incríveis...texto delicioso de ler...passarei aqui sempre!!!

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